terça-feira, 11 de maio de 2010

A Noite Ensolarada



Contaram-me, e não duvidei, que um certo indivíduo vivia confortavelmente, gozava de boa saúde, amizades não lhe faltavam e aparentemente tudo que se pode desejar ele tinha. Passados alguns anos vim a conhecê-lo pessoalmente, aparentava uns trinta e cinco anos e fazia exatamente o que gostava com entusiasmo e dedicação de fazer inveja, morava com esposa e filhos e sonhava com as conquistas de todos nós, tudo direitinho, pela fala percebi o parceiro que ganhara, podíamos passar o dia trocando idéias e impressões das mais variadas. Realizamos algumas tarefas juntos, cuidadoso que ainda é, levei um tempo para entender sua condição. Tem gente que passa sem deixar um passo errado, mas afinal que passo ele teria cometido que o deixara relutante diante de tanta Vida? Cheguei a perguntar, mas como sempre o assunto girava e não saia do mesmo lugar. Soube naqueles dias de alguns problemas na empresa, coisas envolvendo justiça do trabalho contratos cancelados e tudo que isso acompanha. Bem, fosse o que fosse consumia suas energias a olhos vistos. Com a família aumentando e as contas também, percebi um crescente de preocupação, coisa normal para qualquer vivente, mas aquele cara e aquela situação pareciam incompatíveis, isso ou algo parecido que eu não entendia. Sei dizer que um dia ele me convidou a conhecer sua casa recém construída, seu filho mais novo já estava com quatro anos, assim passei a entender melhor o valor de um sonho e as mãos que o tornam realidade. Ouvi com atenção a história da construção e a dedicação de sua esposa em seus incontáveis esforços para manter tudo funcionando. Mas os problemas da empresa e os negócios como andavam o atormentavam a ponto de perder o interesse no propósito daquilo tudo. Soube quase na mesma época de uma paixão de infância da qual gostava de falar reservadamente, paixão mal resolvida , vestígio de uma vida passada ou algo assim, que de perfeito tem o brilho que provoca no olhar e a força na expressão. Lembro-me de ter-lhe dito que a perseguisse, que aquilo precisava ganhar corpo, uma vez que a Alma já voava alto! Sei dizer que suas coisas foram mudando de endereço mais ou menos na mesma velocidade que seus pensamentos mais íntimos, o que não achei estranho, mas o que eu tinha a ver com isso?

Olhando de fora parecia uma conversão, mas não o via em Igrejas ou algo semelhante, as vezes chegava em seu local de trabalho e sentia um leve perfume de incenso, certa feita perguntando sobre o por que daquilo, respondeu que a fumaça lentamente conduzia consigo orações e súplicas diretamente aos "Céus" Aquilo e mais conversa faziam o dia, como gostava de conversar, não sei se ainda o faz, mas chegava a largar o serviço no meio para prosear, quando não era assunto da profissão era filosofia e um pouco de política que ninguém é de ferro...malhação de Judas era pouco. Confesso que sentia uma certa inveja do modo como se relacionava com a vida naquele ponto, parecia não se incomodar com quase nada, tirando os mendigos que faziam as necessidades em sua porta, o que o deixava furioso, o resto parecia tranqüilo. Acompanhei algumas amizades feitas no bairro onde trabalhava, na academia, no Karina da Agua Verde, na Confeitaria do Eduardo, na Oficina do Waldemar, enfim tudo bem certinho, na Paz. Tinha lugar que os caras perguntavam a previsão do tempo para ele, vê se pode... reservadamente confessou haver se inspirado em sua Mãe que parecia mais "Pau de Enchente" aquele que enrosca pelo curso onde passa, achava engraçado os termos que ele usava.


Acho que o vi chorar algumas vezes, parecia ser mais de emoção que de tristeza, vazio existencial, sei lá. Disse-me certa feita que a gente demonstra ter sobrando realmente aquilo que mais falta faz, por estranho que pareça, e em analogia, são os pobres que mais ajudam os pobres, e não os ricos, quem sabe isso também vale para as coisas do Coração. Eu por minha vez tenho alguma dificuldade com emoções extremas, as vezes passo batido em coisas que derreteriam o coração de qualquer marmanjo, sem deixar de reconhecer que bondade e generosidade devam andar de mãos dadas com razão e ação organizada, enfim meu lado prático sempre fala mais alto.


Comecei a tomar gosto pelas conversas francas e animadas, pela forma incomum de ver e de sentir as coisas ao redor, tinha dias que olhávamos as flores, os pássaros, a água da chuva ,achávamos graça até em formiga andando na rua. Bem, ajudar era preciso, fiz minha parte juntando tantas porcarias quebradas em minha casa quanto podia e levando à sua oficina, onde ou ele me mandava jogar na lata do lixo, ou propunha um daqueles negócios do tipo sem preço e Deus que te ajude. Mas também sabia o valor de não agredir a Natureza com mais lixo, o que eu achava bem legal.


As vezes conversávamos sobre o sexo oposto, considerando o senso comum e deixando de lado as diferenças, progredíamos até o ponto onde concordávamos com a nossa total incapacidade de viver sem companhia... Inspirações à parte, nossas excelentíssimas aparentemente haviam feito a escolha certa, presunção garantida e danada...Costumava dizer...”A Beleza nas Preces e a Certeza de viver dentro da Luz se entende pelos anos" Isso tornava menos assustadores as Seguidas Noites e meus caminhos...


Contava de minhas passagens, de meus medos, de como desejava formar Família, do sonho de ter uma filha, cujo nome povoava meu imaginário a tempos, mas o destino apontava caminhos misteriosos, e por saída mantinha a porta sempre aberta. O mais interessante era ver as coincidências, as convergências de pensamento, ao que este moço sempre dizia "Nada é por mero acaso, pois o acaso destruiria o Universo" razoável lembrar que era o meu universo...sem entrar em detalhes, passei a perceber valores que julgava desaparecidos nos homens. Guardava uma frase incompleta dita por uma amiga: "Homem é tudo igual, alguns são mais engraçadinhos, e só..."


Não sei se reaprendi a contar Estrelas, mas certamente passei a olhar mais para os Céus, procurando acompanhar o caminho que elas traçam de um tempo a outro, fazendo meu seu brilho, representado na terra por cada pessoa que Amo do meu modo em Especial. Outro dia comentávamos sobre os diversos tipos de Amor, amor de Mãe, amor de irmão, amor de amigo, amor de companheiro, e ele me dizia que são todos o mesmo Amor, que nós é que vemos diferente, mas que possuem a mesma fonte, e que dela compartilhamos...


Estou me preparando para casar e realizar meu sonho, ter uma Família, praticamente não temos conversado, mudou-se pela enésima vez e tenho a impressão que nos veremos em breve numa daquelas não coincidências da vida, assim espera-se, ou não...


Houveram noites, e nelas poderia olhar para o chão e chorar, ou olhar para os Céus e perceber que cada ponto firmemente iluminado também é um Sol, e que este Sol chegou até nós percorrendo o vazio aparente, para aqui realizar a minha, a nossa inspiração.


Escolhi que minhas Noites serão Ensolaradas...


Disso não abro Mão!



Image: Bouquet de Luz
Autor: Dino Canalli

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